Eu sou uma pessoa competitiva. Infelizmente.
É um traço que carrego desde a infância. Vem lá dos tempos de escola. Aliás, se tem uma culpada nisso tudo, é ela. A escola.
É lá que começa o duelo diário, o ranking informal, o pódio invisível da existência. E o pior: essa disputa escapa dos muros da escola e vai junto com a gente até a velhice, como uma daquelas doenças crônicas silenciosas, que só se manifestam quando você menos espera.
Quem fez o desenho mais bonito, sem apelar para a princesa com manga bufante?
Quem tem o estojo em formato da raça de cachorro mais fofa do momento?
Quem escreveu a melhor redação sobre o malefício das drogas?
E, sem perceber, a gente segue competindo até nas ofensas:
Burro.
Feio.
Fedido.
“É a tua mãe!”
Quando vê, o campeonato se resolve na sala da coordenação, com duas mães exaustas torcendo pra não ter que voltar ali nunca mais.
Um estudo dos psicólogos Gordon Flett e Paul Hewitt, publicado em 2016, mostrou que entre 25% e 30% das crianças e adolescentes já desenvolvem um tipo de perfeccionismo que faz mais mal do que bem.
Quem me passou esse informação foi o ChatGPT. Perguntei duas vezes se as informações eram verdadeiras e ele disse que sim. Vou confiar.
Bem, usando uma escala específica (porque na psicologia tudo tem escala), eles identificaram que muita gente jovem já carrega uma mistura perigosa de cobrança exagerada, medo de errar e uma necessidade quase doentia de agradar os outros.
E adivinha? Isso vai crescendo junto com a gente.
Hoje, minha competitividade aparece nos lugares mais banais:
Na calçada, quando preciso ultrapassar qualquer pessoa que esteja andando na minha frente.
No supermercado, quando faço questão de passar as compras mais rápido que o ser humano do lado.
Na academia, quando quero queimar mais calorias que quem está na esteira da frente.
Até lendo um texto, como esse, quero terminar antes da pessoa do lado. (Sim, eu sei que não faz o menor sentido, mas tá aí.)
Já fui pior. Já competi com ex pra ver quem ganhava mais ou parecia mais inteligente. Já briguei pelo melhor horário na escala do trabalho.
Minha vida era um grande ranking de tudo.
Mas a pior competição é a que a gente trava com a gente mesmo. É essa que deixa a cabeça inquieta, o sono desregulado, o coração agoniado.
É essa que cobra mais do que qualquer chefe.
Aquela voz interna que vive dizendo que nunca é o suficiente. Que a gente devia estar melhor.
Por isso, até me tranquiliza ver que não sou o único. Tem gente que vive esse espírito de competição em níveis olímpicos.
As divas pop, por exemplo. É uma eterna gincana de hits, charts, vendas, streamings, arrecadação de turnê. Deve ser exaustivo viver nessa montanha-russa de validação.
A Madonna, minha ídola de fé e obras (sem idolatria cega, só admiração com embasamento), teve uma carta pessoal vazada há alguns anos. Um desabafo íntimo do início dos anos 90, desses que você manda pra um crush e depois se arrepende amargamente.
Ela escreveu: “Minha visão da vida é sombria, por isso não sou boa pra você, nem pra mais ninguém. Tenho que recuperar meu senso de poder e minha alegria de viver.”
É muita vulnerabilidade pra quem é símbolo de força, né?
A carta foi parar num leilão. Preço chegando a 5 mil dólares. Dizem que quem colocou à venda foi uma ex-amiga. Bonita a amizade, né?
Mas o que me tocou foi ver que até ela, uma mulher que o mundo inteiro vê como invencível, tem essas crises de comparação, insegurança, exaustão.
“Tudo o que faço é tão original e único e coloco tanto de mim, como no meu livro, no meu disco… e isso só me trouxe mágoa e dor”, continuou.
E, pra fechar com um chute na canela da autoestima, ela ainda menciona outras mulheres da indústria do entretenimento.
“É tão frustrante ler que Whitney Houston tem a carreira musical que eu gostaria de ter e Sharon Stone tem a carreira cinematográfica que nunca terei.”
Pausa dramática: quando a carta vazou, a Whitney já tinha morrido.
Mas se eu fosse a Sharon… eu ficaria lisonjeada. E ela ficou mesmo. Escreveu uma resposta linda, com aquele ar de quem sabe que é diva.
“Querida Madonna, saiba que sou sua amiga. Também já quis ser estrela do rock em momentos privados… Também já me senti medíocre. Te amo e te adoro. Não vou competir com você por causa das nossas dores. – Sharon.”
Ícone sensata. Ícone solidária. Ícone.
E, pelo que sei, as duas seguem amigas. Felizmente.
São irmãsh, são amigash, são mulheresh.
Que a Madonna tenha melhorado das inseguranças e da competitividade (duvido), porque sigo querendo me inspirar nela.